"Vocês sabem quem sou eu?"


Bem, eu sou o João, tenho 19 anos e sim, eu gosto de garotos. Desde que me entendo por gente que eu tenho essa dúvida: saber quem eu realmente sou. Saber o porquê de estar nesse mundo, e nessa condição. Saber se eu tenho algum propósito, alguma missão imposta por Deus ou se sou apenas mais um simples defeito de fábrica.

Logo pequeno sempre me senti diferente, nunca fui o de ter vários 'coleguinhas', pois sempre gostei de fazer as coisas sozinho. Essa tal independência acabou me distanciando de vivenciar muitas fases da vida. Sempre fui aquele que ficava em casa, não saia para brincar na rua e nem para fazer amizades. Muitas vezes por que a minha mãe não deixava, mas quase sempre era por gosto. Acho que de certa forma isso foi fazendo parte de mim e da infância que nunca tive. Sempre preferi brincar com as primas do que com os primos, elas sempre foram mais gentis e educadas, e eu gostava disso. Carrinhos e bonecos nunca me foram um atrativo, sempre gostei de coisas que levassem ao raciocínio, então, sempre me dava bem nessas brincadeiras. 

Acho que meu primeiro contato com o desejo pelo mesmo sexo que o meu foi à partir dessa fase, foi nesse momento que eu comecei a perceber que havia algo de diferente, pois eu não olhava as meninas com os mesmo olhos que admiravam os meninos. Porém isso a cada dia que passava ia ficando cada vez mais oculto e confuso, eu não entendia o porquê de sentir essas coisas e acabava sofrendo bastante. Na verdade minha vida até então sempre foi um longo processo sofrido de aceitação, eu sabia que não desejava as mulheres, poderia chegar até a admirá-las pela sua beleza, mas desejo mesmo, não. Como temos a velha mania de rotular tudo, logo que descobri alguns termos me considerei bissexual, eu não queria acreditar e me taxar como gay. Gay pra mim era uma palavra tão forte e feia, saía com tanto desprezo da boca das pessoas que, por muitas vezes, me convenceram a acreditar que era algo estranho e desprezível. Eu não poderia ser gay, eu não me via saindo na rua de mãos dadas com outro homem; não me via chegando na casa dos meu pais e apresentando um cara como meu namorado, quem dirá marido. Mas no fundo só eu sabia o quanto os desejava.

As dificuldades eram constantes nos meus dias, eu tentava esquecer, mas vira e mexe eu sempre me pegava admirando uns garotos bonitinhos da minha sala. Sempre notava os mais quietos e 'nerds', eles tinham algo de diferente, ficava sempre imaginando se eles também olhavam para outros garotos ou até mesmo para mim. Como sempre fui quieto nunca tive uma oportunidade bem sucedida de falar e me abrir com algum deles, eu me odiava por isso, não conseguia nem chegar para uma pessoa e começar uma conversa, um papo qualquer. Se bem que não posso dizer que isso já foi totalmente superado, visto que não invisto nessa coisa de começar um diálogo com um estranho, só quando necessário, mas se for realmente necessário. Isso acabou me levando a criar uma espécie de pânico ao tentar falar e me expressar em público, mas isso fica para uma outra conversa, quem sabe. É, não gosto de coitadismo, mas confesso que nunca foi fácil chegar pra outra pessoa e dizer: - Oi, tudo bom?

Minha família? Ah, essa eu amo demais, mas tenho que admitir que nunca me deram o apoio que eu tanto desejava. Sabe aquele tipo de família que tenta ser diferente, superior, sem preconceitos, mas no fundo acaba sendo hipócrita como quase todas as famílias tradicionais brasileiras. Sempre que passava uma cena gay na TV era aquele burburinho, tipo aqueles comentários: Aff, como pode? Isso sempre mexeu comigo e me deixava muitas vezes furioso. Sabe aquelas frases tipo: "Não tenho preconceito com gays, tenho até amigos que são." Pois é, era esse o nível de raciocínio. E eu sempre muito reservado me oprimia cada vez mais, me prendia em um medo que me distanciava mais ainda da possibilidade de um dia ser gay. Eu era inconstante, na verdade, sou, pois um dia eu achava que eu era assim mesmo e não tinha como mudar, outrora me despedaçava e suplicava para ser hétero. Mas não durava muito tempo, até o primeiro rapaz bonitinho passar na minha frente. Foi essa minha inconstância plena que fez com que eu nunca tivesse um relacionamento de verdade, ora, se eu não conseguia nem me aproximar de uma pessoa e puxar uma conversa, quem dirá sustentar um relacionamento.

Eu já carregava muito peso nas costas para um jovem da minha idade, e vocês não tem noção o quanto isso pesava. Acho que os héteros nunca irão saber o que é se sentir culpado por não ser o que os seus pais esperavam que fosse, por não poder amar livremente, por não ser feliz do jeito que você nasceu, sem se esconder das palavras tão duras que saem da boca de pessoas que você tanto admirava. É, pessoas, ninguém disse que a vida seria fácil. Hoje eu me aceito do jeito que eu sou, porém me sinto mais liberto fora de casa, pois a família ainda é um dilema que eu vou ter que desvendar e superar um dia. Não sou assumido pros meus pais, mas no fundo qual é a mãe que não conhece o filho que pariu. Não sou tão diferente de você, não sou igual aos meu pais e nem sou uma pessoa com os maiores problemas, só estou tentando compreender tudo isso. Será que eu posso ser feliz? Nunca pedi nada! E sobre a minha família? Um dia eu falo, mas até então não estou dependendo de aprovações.

Texto: João Oliveira


"Sou sempre eu mesmo, mas com certeza não serei o mesmo para sempre" - Clarice Lispector






 

2 comentários:

  1. Oi João! Tudo joia?! Uma das coisas que mais achei interessante quando comecei meu blogue, foi encontrar pessoas que passavam pelo o que eu também passava. Naqueles dias eu achava tão "diferente", que nem imaginava existir "outros como eu" por ai...

    Eu sou mais velho que você, mas temos histórias parecidas... sempre fui quieto, nunca fui o baladeiro de plantão e até hoje eu costumo brincar que fico muito bem "com meus amigos imaginários". Além das questões que você mencionou, por conta do trabalho do meu pai eu acabei mudando várias vezes de cidade, assim eu meio que aprendi a viver "sozinho"... isso foi um fator para complicar. Virei uma ostra!

    Mas um dia a gente sente a necessidade de sair da "casca" e ai é que começam os desafios... no meu caso, precisei chegar ao ponto de começar a ter sintomas de ansiedade... era tempo de ir conhecer o mundo.

    Interessante como muitas dessas questões são "nossas", nzé?! Minha família é bem bacana, assim como a sua tem lá seus deslizes, mas quem não tem... Eu nunca tive exatamente medo de contar para eles, pela reação deles (tipo me expulsar, algo do genero), acho que o medo era mais por "decepcioná-los" de alguma forma. (Também sempre me preocupei que eles não soubessem de uma forma errada), hoje minha mãe e irmãs já sabem... um dia te conto como foi se quiser, mas foi bem tranquilo! :P

    Quanto ao início do seu post, acho que boa parte de "viver" está em descobrir quem realmente somos, o importante é não esquecer de se divertir nessa "escalada"... Uma vez li que mais importante do que chegar ao topo, é prestar atenção à subida, porque é nela que está a diversão e os bons momentos.

    Com certeza volto mais vezes para te visitar!

    Que teu blogue te traga muitas coisas boas!

    Abração.

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    1. Olá, tudo joia sim! Um dos motivos que me fizeram criá-lo foi justamente por buscar uma forma de interagir com alguém essas questões mais pessoais, sabe (mesmo que o ambiente não seja nada discreto). Achamos que o mundo giram em nossa volta, mas ele também gira em volta de tanta gente e percebemos que não estamos sozinhos nessa jornada.

      Por não encontrar tantos espaços abertos a essas questões pessoais na internet e como os poucos que encontrei estão interligados a conteúdos eróticos, me determinei a colocar esse projeto a diante.

      Minha família é bacana, mas um pouco difícil (acredito que todas sejam), mas cada uma do seu próprio modo e isso não faz que eu a ame menos. Acho o diálogo uma coisa tão essencial, mas vejo isso nem da minha parte, quanto mais deles. Todos os dias fazemos mudanças automáticas - hoje eu não sou o mesmo de ontem - e não fossem essas mudanças estaria perdido.

      Cada um sabe o peso que carrega e principalmente as costas que tem. As vezes é preciso deixar pra trás algumas coisas pra poder caminhar mais leve.

      Obrigado pela companhia e pelas palavras, irei conservá-las com cuidado.

      Abraço ;)



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